Blog do Leão Pelado



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Colaboradores:

A. João Soares, Aruangua, J. Rodrigues, Sapiens, Mentiroso



Obrigado, 25 de Abril

Transcreve-se aqui uma carta de um aluno ao seu professor de história, que não é nova e já apareceu em vários blogs no decorrer de 2008. Como com tantas outras matérias do conhecimento geral cujo interesse se mantém através dos anos, o assunto em questão também se perpetua, pelo que a sua actualidade permanece constante. Estes assuntos de actualidade durável são em tão grande número que fez com que o Blog do Leão Pelado desde o seu início decidisse publicar os posts sem data. Transcreve-se, pois, a carta na sua íntegra com pequenas correcções gramaticais, como a do primeiro período em que os seus elementos foram de tal modo deslocados e intercalados que o autor, a fim de evitar a confusão que assim gerou, semeou nele um punhado de vírgulas! Diga-se de passagem que é um costume que tem feito o seu caminho na escrita geral portuguesa, sobretudo na jornaleira; a inaptidão de construir uma frase inteligível, resultado da incapacidade mental de «arrumar» logicamente os elementos das frases de acordo com a importância e funções desses elementos na composição das frases para uma transcrição lógica das ideias. Consequentemente, trata-se claramente dum problema de mentalidade, duma deficiência mental que se generalizou paralelamente com os outros problemas da sociedade actual e com idênticas origens. É este, porém, outro assunto que não será agora debatido.

Após este alongado exórdio, segue-se a carta que, ainda que extensa, merece todos os minutos consumidos na sua leitura.


Exmo. Senhor Professor,

Sou obrigado a escrever-lhe nesta data, depois de ter escutado com toda a atenção a aula de História que nos deu sobre a Revolução de Abril de 1974.

Li todos os apontamentos que tirei na aula e os textos de apoio que me entregou para me preparar para o teste que o Senhor Professor irá apresentar-nos na próxima semana sobre a Revolução dos Cravos.

Disse o Senhor Professor que a Revolução derrubou a ditadura salazarista e veio a permitir o final da Guerra Colonial, com a conquista da Liberdade do Povo Português e dos Povos dos territórios que nós dominávamos e que constituíam o nosso Império. Afirmou ainda que passámos a viver em Democracia e que iniciámos uma nova política de Desenvolvimento baseada na economia de mercado. Informou-nos também que a Censura sobre os órgãos de Comunicação Social terminara e que a PIDE/DGS, a Polícia Política do Estado Fascista, acabara, dando a possibilidade aos Portugueses de terem liberdade de expressão, opinião e pensamento. Hoje, todos eles podem exprimir as suas opiniões nos jornais, rádio, televisão, cinema e teatro, sem receio de serem presos.

Disse igualmente que Portugal era um país isolado no contexto internacional e que agora fazemos parte da União Europeia e temos grande prestígio no mundo. Que somos dos poucos países da União a cumprir, na íntegra, os cinco critérios de convergência nominal do Tratado de Maastricht para fazermos parte do pelotão da frente com vista ao Euro.

Li os textos de apoio do Professor Fernando Rosas, onde me informam que os Capitães de Abril são considerados heróis nacionais, como nunca houvera antes na nossa história, e que eles são os responsáveis por toda a modernidade do nosso país, pois se não tivesse acontecido a memorável Revolução, estaríamos na cauda da Europa e viveríamos em grande atraso, em relação aos outros países, e num total obscurantismo.

Tinha já tudo bem compreendido e decorado, quando pedi ao meu pai que lesse os apontamentos e os textos para me fazer perguntas sobre a tal Revolução, com vista à minha preparação para o teste, pois eu não assisti ao acontecimento histórico por não ter ainda nascido, uma vez que, como sabe, tenho apenas dezasseis anos de idade.

Com o pedido que fiz ao meu pai, começaram os meus problemas pois ele ficou horrorizado com o que o Senhor Professor me ensinou e chamou-lhe até mentiroso porque conseguira falsificar a História de Portugal. Ele disse-me que assistira à Revolução dos Cravos dos Capitães de Abril e que vira com os olhos que a terra há-de comer o que acontecera e as suas consequências.

Disse-me que os Capitães foram os maiores traidores que a nossa História conhecera, porque entregaram aos comunistas todo o nosso império, enganando os Portugueses e os naturais dos territórios, que nos pertenciam por direito histórico. Que a Guerra no Ultramar envolvera toda a sua geração e que nela sobressaíra a valentia dum povo em armas, a defender a herança dos nossos maiores. Que já não existia ditadura salazarista, porque Salazar já tinha morrido na altura e que vigorava a Primavera Marcelista que, paulatinamente, estava a colocar Portugal na vanguarda da Europa. Que hoje o nosso país, conjuntamente com a Grécia, são os países mais atrasados da Comunidade Europeia. Que Portugal já desfrutava de muitas liberdades ao tempo do Professor Marcelo Caetano, que caminhávamos para a Democracia sem sobressaltos, que os jovens, como eu, tinham empregos assegurados quando terminavam os estudos, que não se drogavam, que não frequentavam antros de deboche a que chamam discotecas, nem viviam na promiscuidade sexual, que hoje lhes embotam os sentidos.

Disse-me também que ele sabia o que era Deus, a Pátria e a Família e que eu sou um ignorante nessas matérias. Aliás, eu nem sabia que a minha Pátria era Portugal, pois o Senhor Professor ensinou-me que a minha Pátria era a Europa. O meu pai disse-me que os governantes de outrora não eram corruptos e que após o 25 de Abril nunca se viu tanta corrupção como actualmente. Também me disse que a criminalidade aumentara assustadoramente em Portugal e que já há verdadeiras máfias a operar, vivendo à custa da miséria dos jovens drogados e da prostituição, resultado do abandono dos filhos de pais divorciados e dum lamentável atraso cultural, em virtude de um Sistema Educativo que é a nossa maior vergonha, desde há mais vinte anos.

Eu fiquei de boca aberta, quando o meu pai me disse que a Censura continuava na ordem do dia, porque ele manda artigos para alguns jornais e não são publicados, visto que ele diz as verdades, que são escamoteadas ao Povo Português, e isso não interessa a certos órgãos de Comunicação Social ao serviço de interesses obscuros.

O meu pai diz que o nosso país é hoje uma colónia de Bruxelas, que nos dá esmolas para nós conseguirmos sobreviver, pois os tais Capitães de Abril reduziram Portugal a uma “pobreza franciscana” e que o nosso país já não nos pertence e que perdemos a nossa independência. Perguntei-lhe se ele já ouvira falar de Mário Soares, Almeida Santos, Rosa Coutinho, Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Vítor Alves, Vítor Crespo, Lemos Pires, Vasco Lourenço, Vasco Gonçalves, Costa Gomes, Pezarat Correia… Não pude acrescentar mais nomes, que fixara com enorme sacrifício e trabalho de memória, porque o meu pai começou a vomitar só de me ouvir pronunciar estes nomes. Quando se sentiu melhor, disse-me que nunca mais lhe falasse em tais “sacanas de gajos”, mas que decorasse antes os nomes de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Diogo Cão, D. João II, D. Manuel I, Bartolomeu Dias, Afonso de Albuquerque, D. João de Castro, Camões, porque os outros não eram dignos de ser Portugueses, mas estes eram as grandes e respeitáveis figuras da nossa História. Naturalmente que fiquei admirado, porque o Senhor Professor nunca me falara nestas personagens tão importantes e apenas me citara os nomes que constam nos textos do Professor Fernando Rosas.

Senhor Professor, dada a circunstância do meu pai ter visto, ouvido, sentido e lido a Revolução de Abril, estou completamente baralhado com o que o Senhor me ensinou e com a leitura dos textos de apoio. Eu julgo que o meu pai é que tem razão e, por isso, no próximo teste vou seguir os conselhos dele.

Não foi o Senhor Professor que disse que a Revolução nos deu a liberdade de opinião? Certamente terei uma nota negativa, mas o meu pai nunca me mentiu e eu continuo a acreditar nele. Como ele, também eu vou pôr uma gravata preta no dia 25 de Abril, em sinal de luto pelos milhares de mortos havidos no nosso Império, provocados pela Revolução dos Espinhos, perdão, dos Cravos. O Senhor disse-me que esta Revolução não vertera uma gota de sangue e agora vim a saber que militares negros que serviram no exército português, durante a guerra que o Senhor chamou colonial, foram abandonados e depois fuzilados pelos comunistas a quem foram entregues as nossas terras.

Desculpe-me, Senhor Professor, mas o meu pai disse-me que o Senhor era cego de um olho, que só sabia ler a História de Portugal com o olho esquerdo. Se o Senhor tivesse os dois olhos não me ensinaria tantas asneiras, mas que o desculpava porque o Senhor era um jovem e certamente só lera o que o Professor Fernando Rosas escrevera.

A minha carta já vai longa, mas eu usei de toda a honestidade e espero que o Senhor Professor consiga igualmente ser honesto para comigo, no próximo teste, quando o avaliar.

Com os meus respeitosos cumprimentos,

O seu aluno



É um relato bem contado e algumas partes merecem-nos uma atenção especial.

De recordar que a descolonização, da maneira como foi operada por Mário Soares, fez dele o autor da desgraça de todos os povos que dela usufruíram, provocou hecatombes e carnificinas em cascata fazendo dele um literal assassino, não obstante ele mais tarde se ter desculpado injustificadamente, alegando que fora a descolonização possível na altura. «Desculpem-me se os matei», diria ele às vítimas da sua política. Nenhum país que descolonizou, todos anteriormente a Portugal, provocou tal desgraça quanto a de que o criminoso Mário Soares é o primeiro responsável. Portugal foi o único país colonial que provocou a desgraça das suas colónias e que desde então tem durado.

De focar a parte em que se menciona o fim da ditadura com a morte do ditador e que nos conta a verdade sobre o início da passagem do regime a democracia, que se estava a efectuar «em doçura» com o lógico intuito de «não fazer ondas» do género que a Abrilada alteou na sua sequência. O que se conta em contrário só pode servir para encobrir interesses ocultos, anestesiar aqueles que se recordam por terem vivido essa curta época ou para enganar e domesticar as mentes daqueles que não a tendo vivido a ignoram por falta de experiência própria. O golpe, que no passado teria sido verdadeiramente útil, necessário e benfazejo, foi, afinal, uma néscia loucura fora de tempo e que lançou o País no caminho resumido no texto da carta. Será que os Portugueses acordarão um dia a horas ou será o seu destino o de eternos atrasados?

De notar que as funestas consequências da Abrilada já tinham sido previstas por gente eminente da época que usava a própria cabeça para discorrer em lugar de pensar com a dos traidores do povo, como Miguel Torga entre outros. Veja-se aqui.

Outro ponto a realçar é o suposto e patético heroísmo de militares que se passearam em autêntica parada ou fizeram de polícias sinaleiros, recebendo flores, comida e vinho nos dias da Abrilada, por comparação ao autêntico patriotismo e heroísmo demonstrado por aqueles que, no Ultramar e por cerca de uma década, se sacrificaram ou foram sacrificados com tão escassos meios à sua disposição. Confusão de heroísmo ou pantomina, embuste e injustiça?

Veja-se ainda aqui e ainda aqui e aqui.

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